terça-feira, 2 de novembro de 2010

Será o fim?

Quais seriam suas últimas palavras para alguém que está prestes a morrer, ou em outras palavras, desencarnar? Pedir perdão, dar explicações, falar o quanto ele ou ela era importante para você?

Essa semana aconteceu isso com uma amiga, a mãe dela teve câncer e a metástase deu-se de forma muito rápida, acabou falecendo no sábado... A paciente, apesar de estar com câncer no cérebro, tinha pequenos estados de lucidez e nesses pedia para ir pra casa, dizia que não estava doente para estar no hospital. Que situação complicada heim...

Imagino como foi e está sendo difícil para essa minha amiga.. No início do ano, uma parente minha, estava doente, nesse ponto peço licença para explicar quem era Ramira..

Ramira era uma prima que a minha avó tinha criado, isso lá no interior de Minas, e aí ela cresceu e veio trabalhar como doméstica em Brasília, casou, teve alguns filhos e todas as férias de julho, quando lá em casa pega fogo, quem é que ia ajudar minha mãe? Ela, Ramira.. Sempre sorridente, brincando com todo mundo, conversava mais que tudo, e eu e minha mãe não ficamos para trás, então quando juntávamos para falar besteiras era um Deus nos acuda, e claro, falávamos mal de todo mundo e caíamos na gargalhada... Porém, no meio do ano passado um filho dela foi assassinado e isso deixou-a muito mal, e acho que em conseqüência dessa crise depressiva ela estagnou, só sei que minha mãe um dia me ligou desesperada informando que ela estava internada no hospital e me passou o número do marido dela para eu ligar e ver como ela estava.. Pois bem, liguei, falei com ele, que me explicou que ela havia tido um aneurisma mas que já havia feito a cirurgia e que estava internada recuperando, falou que estava tudo bem.. Ok, passei as informações para minha mãe.. e durante os próximos dias ligava sempre para ele que dizia a mesma coisa, que ela estava bem, se recuperando mas não podia falar.. Achei estranho aquilo..

Como tenho acesso aos hospitais, liguei no lugar onde ela estava internada e pedi para falar com o médico, apresentei-me, falei que era parente da paciente e pedi informações de como estava o seu quadro clínico... A médica que me atendeu disse que não podia passar informações por telefone e que seria interessante eu ir pessoalmente lá devido ao estado da paciente... Já fiquei com medo...

Aquela tarde quem iria visitá-la seria a filha dela, a quem eu conhecia bem pouco, ou melhor, não conhecia pessoalmente, só pelos elogios que a mãe lhe fazia... E chegando no hospital já fui direto para onde minha prima estava... Que susto levei.. Coitada, toda inchada, entubada, irreconhecível.. e logo mais a frente vi a menina, filha dela, também minha prima, fui, cumprimentei, perguntei se algum médico já havia passado por lá para explicar qual o estado clínico da mãe dela, ela disse que não..

Então, fomos atrás do médico. O encontramos numa sala um pouco mais a frente de onde estava o leito da minha prima, e aí me apresentei e perguntei qual era o estado da paciente.. Ele perguntou se éramos parentes, afirmamos. As vezes me questiono de onde vem a frieza de alguns profissionais.. Ele disse: Pelo visto vocês não estão a par do quadro da paciente, porque já entramos em contato com a família e só falta um exame a ser realizado hoje a noite para confirmar a morte cerebral dela. A documentação referente à doação de órgãos já está sendo preparada.”

Meu Deus, aquilo caiu como uma bomba. Olhei para a filha da minha prima e meio que sem entender nada demos um abraço, ela já estava chorando.. Eu também não me contive. E ela se perguntava: “Por quê aquilo estava acontecendo? Por quê Deus queria levar a mãe dela? Por quê ninguém avisou nada para ela? Por quê, por quê...”

Tentei acalmá-la e apontei o dedo para o leito onde sua mãe estava e disse: Vamos para lá ficar com ela.

Acho que independentemente de religião, enquanto houver uma fagulha de esperança, devemos agarrá-la.. E ela estava lá, mesmo que praticamente viva por causa dos aparelhos, tendo ou não a morte cerebral, mas ela estava lá, e com certeza poderia nos sentir e entender.

E agora, o que se dizer pela última vez? E se ela percebesse que estávamos chorando? Nessas horas não há muito o que se pensar né, tem que deixar rolar.. Eu, que não sou muito formal, cheguei perto dela e com uma voz que quase não saia, falei: Eh Ramira, que sacanagem heim, você nem me ensinou a arrumar minha cama direito, eu nem sei cozinhar direito, e pra quem eu vou fazer graça nas férias? Vê se lá de cima você me ajuda aqui e olhe por nós onde quer que você for.. “


A filha dela estava assim de lado e disse que ia ler um salmos, ela é evangélica, aí falei, leia, mas também converse com ela porque ela está escutando, entendendo tudo.. E aí foi comovente, ela chegou perto da mãe e começou pedir desculpas pelos erros que havia feito e a agradecer por tudo o que a mãe a havia ensinado, e que ela partisse despreocupada pois todos estavam bem e que Deus havia preparado um lugar muito melhor para ela lá encima... Eu tava meio que me segurando para não chorar mas não agüentei vendo aquela cena...

Aí peguei na mão dela e falei que minha mãe tava em Minas e que tava rezando muito por ela, que todo dia ela ligava para saber como ela estava, enfim, que todos nós lá de casa estávamos rezando e torcendo muito por ela, para que ela se recuperasse... E falei: Eh nega, tem coisas na vida da gente que não dá pra explicar, temos de aceitar como são, se Deus decidir que seu lugar agora é lá encima é porque você já completou o que tinha para fazer aqui embaixo ou então porque você tem uma missão lá agora, e tá precisando de você... Sentiremos muito a sua falta mas tenho certeza de que para onde você for, estaremos sempre lembrando de você e você de lá lembrando e cuidando de nós..


Como é difícil esse momento, nunca imaginei que seria tão complicado... E o pior é além de você estar triste, mal com aquela situação, é se condoer ao ver uma filha receber uma notícia como aquela e ver o sofrimento, a dor, o desespero, a falta de palavras ao se despedir da mãe, são cenas que realmente me marcaram..

E aí ficamos ali, conversando com ela, chorando, tranquilizando-a, tentando aproveitar da melhor forma aqueles que talvez seriam nossos últimos momentos com ela. A dor de saber que a pessoa está indo mas não foi é pior do que receber a notícia de que já se foi, é uma situação triste, angustiante, vemo-nos como que de mãos atadas diante dos fatos, o que fazer? Rezar? Consolar quem está indo? Tantas perguntas, poucas respostas.. Não há muito o que se pensar nessas horas..

E o engraçado é que os pés dela estavam frios quando chegamos e depois que começamos a conversar com ela, esquentaram... coincidência? Não... Acho que não, realmente ela ainda estava ali com a gente, tem situações que a medicina não explica, mas o coração sente.


E o horário de visitas estava terminando, tínhamos de nos despedir realmente, aí foi bastante triste mesmo... Falamos tudo o veio do coração, choramos, e fomos mas com a promessa de voltar no outro dia para visitá-la, ou não, afinal, aquele poderia ser seu último dia.. Acreditavamos que um milagre poderia acontecer.

Saí do hospital chorando muito, fui direto pra casa, peguei o metro, chorando, cheguei em casa, chorando, aí liguei pra minha irmã para avisar do que tinha acontecido e do que poderia vir a ocorrer e para que ela já fosse preparando a cabeça da minha mãe, afinal ela poderia levar um choque com as notícias..

Só sei que fiquei muito mal, pensei muito sobre essa questão do liame entre a vida e a morte, como é possível o corpo vivo, o cérebro morto, a pessoa entendendo tudo.. O processo de desencarnar não é fácil...

Antes de dormir, nas minhas orações, pedi a Deus que fizesse o melhor para ela, que a ajudasse a superar esses momentos difíceis e que tivesse uma boa recepção para onde ela fosse.. E dormi.. Ocorreu que no meio da noite sonhei um sonho diferente.. Subia um morro com várias pessoas vestidas de branco e estava de mãos dadas com alguém e em certo momento eu fiquei e essa pessoa foi... Na hora não entendi direito o significado daquilo.. Horas depois a filha da minha prima me ligou avisando que ela havia falecido, aí consegui entender o sonho e a despedida. Vá com Deus, Ramira e olhe por nós onde você estiver.

Eu, na minha concepção espiritualizada da vida, acredito que a morte não é o fim mas uma passagem, uma transformação... E é por essas e outras situações que eu digo para vivermos intensamente, não deixar para amanha o que podemos fazer hoje, vá, dê aquele abraço no seu pai, um beijo na sua mãe, aproveite enquanto é tempo, não sabemos o que o amanha nos reserva. Como diria Renato Russo, “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”..

Um comentário:

  1. Oi Thiago, me orgulho muito de vc, meu irmão amado... sua sensibilidade, seu amor ao próximo, a sua capacidade de compartilhar alegrias e tristezas, sua preocupação com todos. Você é um presente preciosíssimo que Deus nos deu. E Ramira... Ramira ficará para sempre em nossos corações como um anjo lindo e bom, que iluminou nossas vidas! beijos
    Fátima

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